O Oceano que nos conecta
Atualizado: 4 de jun. de 2021
Onde você estiver, respire. E se puder, feche os olhos e se teletransporte para uma paisagem marinha que já tenha visitado....

O som das ondas quebrando, a brisa que sopra e te faz sentir o gosto de sal como se envolvesse seu rosto… O reflexo do céu no espraiamento das ondas na areia… Essa é uma das cenas clássicas quando se fala em conexão com o Oceano, isso se você tiver acesso a ele. Agora volta… Já parou pra pensar que outros aspectos da sua vida podem ter relação com essa paisagem ou com o que ela representa?
Já na primeira coisa que eu pedi pra você fazer. Respirar. Certamente mesmo se eu não pedisse, você teria feito, porque respirar é... uma necessidade vital e constante. Todo ser humano sabe disso, porque se não soubesse, não estaria vivo. Mas conectar essa elementaridade ao Oceano, não é tão automático. Não se costuma corriqueiramente respirar e pensar especificamente nas microalgas marinhas, por exemplo. Que por sinal, são elas que produzem cerca de 50 a 60% de todo o oxigênio que fica disponível na atmosfera; e podemos dizer que a cada duas vezes que você, cara leitora, respira, uma é graças a esse processo que ocorre no Oceano.
É também durante a fotossíntese que as microalgas utilizam o CO2 que antes estava livre na atmosfera, atuando como um sumidouro de carbono - o que também ocorre de outras formas no oceano e nos ecossistemas costeiros.
Os organismos fotossintetizantes dependem da radiação solar, que por sua vez tem seu papel junto ao Oceano na regulação do clima. A água tem uma maior capacidade de absorver e reter energia do que a terra, o que faz com que o Oceano absorva mais energia solar do que as outras superfícies. Essa energia é transportada ao longo do planeta e tem papel fundamental no clima. Entre o Equador e os trópicos, há uma maior taxa de incidência de radiação solar, que é transportada a regiões polares onde realiza o aquecimento dessas regiões. Esse transporte de energia de larga escala, ocorre devido às correntes oceânicas, essas correntes são geradas a partir da ação dos ventos e pela diferenciação de densidade da água do mar.

Seguindo essa linha, de certa forma é intuitiva a nossa ligação com o Oceano...
Primariamente o surgimento da vida na Terra, a própria composição do nosso corpo e a nossa necessidade de hidratação, vital, tal como a respiração. O significativo fato de que 97% da água do planeta está no Oceano e a relevância disso para o ciclo da água; e o “movimento” contínuo entre os meios físicos e os seres vivos, a distribuição de calor pelas correntes oceânicas, como eu falei pra você.... Isso tudo é… esplêndido, você não acha? Além de proporcionar sensações como aquela que a gente sentiu ao se transportar… a brisa… as ondas, o Oceano nos presta preciosos serviços ecossistêmicos.
A grande questão aqui, é que todas essas conexões que permitem que eu e você estejamos vivos, estão ameaçadas. É essa a relação que eu te proponho a fazer. A absorção de calor em excesso altera os ciclos do planeta que já aconteciam em escala de milhões de anos. E o aumento da absorção e dissolução de gás carbônico no oceano, altera a composição química e desencadeia processos diretos como a acidificação, provocando, como exemplo, o embranquecimento e morte de recifes de coral, que são ecossistemas ricos em biodiversidade.
E esses impactos são sentidos em diversas proporções e escalas de tempo, desde os microorganismos e passam por todos os níveis da cadeia trófica - incluindo seres humanos. O aumento da temperatura também fará o nível do mar subir e irá favorecer eventos extremos: secas, enchentes, ondas de calor e frio. Não são só as populações que vivem junto à costa que irão sentir esses efeitos, tá todo mundo no mesmo navio, a diferença é que nem todos tem botes salva vidas para o naufrágio.
Eu sei que com os adventos do sistema a qual estamos inseridos, das convenções sociais, dos diversos espaços e funções que cada ser ocupa na sociedade, as leituras e principalmente as diferentes formas de acesso e compreensão, assim como os contextos socioambientais e socioeconômicos… Pouco sobra para enxergar essas conexões, principalmente se estão nas grandes cidades e distantes da costa. Nós não vivemos em uma sociedade cujo modo de vida contemple essas reflexões. Nós fomos perdendo o olhar observacional da natureza, resistentemente mantido hoje pelos povos originários e comunidades tradicionais que vivem em maior proximidade com o meio.

Mas refazer nossa relação com o Oceano pode definir o nosso futuro enquanto espécie, e essa relação está conectada com diversos setores da sociedade. Quando eu falo de refazer, retomar, não tome exatamente como um retorno. Nós estamos em um ponto que não há retorno, mas pode haver transformação ao voltar os olhares para o Oceano e o que ele representa, independente de que lugar estamos. Porque as mudanças climáticas que já estão acontecendo no Oceano - e as que estão previstas para os próximos anos - afetam a todas as pessoas vivas hoje e as próximas gerações; e ela acentua e evidencia as mazelas que a gente já carrega enquanto humanidade, consequência das nossas próprias ações: a pobreza, a fome, a segregação social. E o Oceano é um ponto chave nisso por todas essas relações que eu falei pra você, e porque os impactos serão sentidos de diversas formas, de acordo com o grau de vulnerabilidade e exposição.
Agora eu te proponho a pensar na condição do Brasil perante tudo isso, questão política e social. Junta essa reflexão que por si só é altamente complexa, eu sei. Mas não precisa botar no liquidificador, só fica com isso em mente. Nós somos um país continental com a maior costa banhada pelas águas do Atlântico. Eu poderia te falar sobre a biodiversidade da nossa costa, que é absolutamente fantástica, as diferentes feições morfológicas e características sedimentares e as relações específicas das nossas regiões… Mas para isso a gente precisaria fazer um daqueles teletransportes… e vamos deixar para outro dia.
Mas é dentro desse contexto de benefícios do Oceano, dos nossos modos de vida enquanto sociedade, das evidências das mudanças climáticas e da necessidade de garantir a saúde do Oceano, que a ONU proclamou a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. A iniciativa da década visa o cumprimento do ODS 14 da Agenda 2030, e é a chance para o planeta se unir em prol de do que conecta cada ser humano que habita na Terra hoje! E não me encare falando isso de forma romântica, porque sim, a gente tem que sonhar com um mundo melhor para poder alcançar esse mundo.

E a nível institucional, por assim dizer, a década pretende ampliar a cooperação internacional em pesquisa para promover a preservação do Oceano a gestão dos recursos naturais de zonas costeiras de forma sustentável. Mas esse processo é participativo e vai depender da cooperação das nações, dos setores e dos indivíduos, das comunidades tradicionais e das populações locais. Essa discussão também é sobre modos de consumo e a forma como enxergamos as relações que temos com a natureza e o Oceano.
Eu não falei da poluição aqui, do plástico, do saneamento básico, mas é fundamental pensarmos em como nossa qualidade de vida está interligada a todas essas questões. E que na busca por um Oceano sustentável nós podemos e precisamos alcançar essas multifacetas.
Volta a respirar aqui comigo, sei que te levei numa viagem de reflexões… A gente pode conversar sobre cada tópico dos aqui amplamente citados. Você também pode acessar o site da Década ou o do IPCC - que é o O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, onde há relatórios detalhados sobre os impactos das mudanças climáticas nas populações; mas também há pessoas trabalhando para levar essa informação de forma mais acessível. Há diversas formas de se articular e de se inserir nesse movimento. Como indivíduo, como grupo social. Mas neste primeiro momento, a única coisa que eu peço é pra você olhar para o oceano e repensar nas prioridades fundamentais da vida. E que a gente pode e precisa se apropriar desse conhecimento.

Este texto é a transcrição do episódio piloto do podcast "O Oceano que nos conecta", que pode ser acessado aqui.
Os links de referência seguem a ideia de ir "direto na fonte" - ou perto dela - e estão para quem quiser mergulhar profundamente desde já, mas não se preocupe, esses tópicos serão revisitados. Para continuar acompanhando essa viagem perceptiva, siga o podcast nas plataformas de sua preferência.
Fotos: Ser e Perceber